Doente e prestador de cuidados de saúde

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3 de Fevereiro de 2025

SAÚDE RESPIRATÓRIA

Perspectiva de especialistas

Testes respiratórios: Preparação para um futuro incerto

A emergência global da COVID-19 resultou numa mudança radical no tratamento dos doentes que se apresentem com sintomas respiratórios e/ou semelhantes a gripe de febre, mal-estar e mialgias. No passado, tais sintomas podiam ser interpretados como consistentes com infeção por vírus da gripe ou vírus sincicial respiratório, mas, nas condições atuais, o SARS-CoV-2 é frequentemente considerado em primeiro lugar no diagnóstico diferencial. Atualmente, um doente com estes sintomas faz provavelmente apenas um teste rápido de antigénio em casa, ou apresenta-se na sua clínica local ou no hospital para fazer um teste. No entanto, um resultado negativo para COVID-19 pode dar ao doente uma falsa sensação de segurança, sendo os seus sintomas de facto causados por algo grave como a gripe.

 

O SARS-CoV-2 mudou a forma como o setor da saúde aborda os doentes respiratórios, bem como a forma como a população geral reage a este conjunto de sintomas. Este artigo debruça-se sobre este cenário clínico em mudança e explora como é que os ensinamentos de surtos virais anteriores foram aplicados para criar testes moleculares rápidos e precisos que estão a ajudar não só a diagnosticar agora a COVID-19, como também a proporcionar soluções “prontas para variantes” para a deteção de SARS-CoV-2, gripe A e B, e outros vírus que possam apresentar sintomas semelhantes.

 

O Peso Global das Doenças Respiratórias

 

Os vírus respiratórios têm tido uma longa história de impacto na saúde humana, mas raramente perturbaram a nossa forma de vida como o SARS-CoV-2. Os seres humanos não são estranhos à família de coronavírus e a maioria das estirpes causam normalmente apenas problemas respiratórios ligeiros das vias superiores, como a vulgar constipação. No entanto, ocasionalmente, emergem novas estirpes que são mais mortíferas - tais como MERS-CoV ou SARS-CoV - ou mais transmissíveis, como é o caso do SARS-CoV-2.1 Felizmente, a natureza geral destes vírus é a de se adaptarem para se tornarem menos patogénicos. Novas variantes com diferente transmissibilidade e severidade irão continuar a emergir mas, ao longo do tempo, é provável que as estirpes predominantes se tornem mais semelhantes aos outros coronavírus endémicos em circulação, resultando em sintomas mais ligeiros. À medida que esta progressão natural ocorre, o programa atual de vacinações e reforços, bem como a imunidade natural resultante das infeções, devem proporcionar níveis cada vez maiores de proteção contra doença grave. 

 

A gripe sofreu uma evolução semelhante, mas ainda causa mortalidade e morbilidade significativas globalmente. Variantes sazonais afetam milhões de pessoas todos os anos e são responsáveis por centenas de milhares de mortes, havendo um estudo que relata 290 000 a 650 000 mortes respiratórias associadas a gripe sazonal todos os anos entre 1999 e 2015.2 Como todos os vírus, o da gripe evolui continuamente de forma a sobreviver e infetar melhor os seus hospedeiros. Ocasionalmente, aparecem estirpes que criam uma grande emergência de saúde pública, tais como a gripe A subtipo H1N1, que foi responsável pelas pandemias de 1918 e 2009, a primeira resultando em 50 milhões de mortes estimadas em todo o mundo.3

 

A rápida evolução destes vírus significa que as ferramentas de diagnóstico devem também continuar a adaptar-se e a desenvolver-se para ajudar a orientar os clínicos no tratamento dos seus doentes. As consequências de um diagnóstico errado podem ser graves, incluindo terapias ineficazes conduzindo potencialmente a sintomas mais graves e progressão da doença à medida que o agente patogénico causador escapa ao tratamento.

 

A necessidade de resultados rápidos, sensíveis e definitivos é agora ainda mais premente com o aparecimento de terapias antivirais, que são mais eficazes se forem administradas precocemente no decurso da infeção.

 

Conceber Testes de Diagnóstico Robustos

 

Os métodos moleculares continuam a ser o padrão de ouro para diagnóstico de infeções respiratórias num cenário clínico. Para a COVID-19,4 testes rápidos de antigénio são adequados em doentes sintomáticos que tenham cargas virais elevadas mas perdem precisão quando um doente se afasta do pico de replicação.5 Muitos destes doentes aparecem no hospital com complicações inflamatórias cerca de uma semana após o aparecimento dos primeiros sintomas, normalmente com cargas virais mais baixas, e isto pode dar um resultado negativo com um teste rápido de antigénio.

 

A conceção e construção de testes moleculares é um processo intricado e com vários passos que começa normalmente com uma necessidade clínica não satisfeita. As empresas de diagnóstico avaliam onde podem ter um impacto mais significativo, procurando qual o teste necessário para ajudar médicos, microbiólogos ou especialistas em controlo de infeções, a diagnosticar doentes rapidamente e com precisão. No entanto, não é só a opinião de uma empresa que determina a conceção de um teste. Aconselhamento de vários grupos - incluindo médicos, enfermeiros, farmacêuticos, virologistas, especialistas em saúde pública e reguladores - ajudam a assegurar que o teste resultante responde à necessidade clínica relevante. Leva normalmente anos a desenvolver um produto e lançá-lo no mercado, começando com a conceção e otimização inicial do teste, antes de passar pela validação para demonstrar a sua precisão. Os dados são então submetidos a uma entidade reguladora - tal como a FDA - e, se for aprovado, pode ser fabricado sob condições rigorosas de controlo de qualidade e disponibilizado aos laboratórios e a outras instalações de saúde para começar a responder às necessidades clínicas.

 

Este processo intensivo torna crucial conceber um produto que seja duradouro o que, no caso de muitos vírus, significa que tem que ter em consideração a alteração contínua e a evolução do agente patogénico alvo. Para se manterem um passo à frente nas doenças infeciosas, os testes de diagnóstico precisam de satisfazer as necessidades clínicas de hoje e, crucialmente, as pressões evolutivas de amanhã. Se não tivermos dados suficientes sobre um agente patogénico, ou o conhecimento de uma doença, então isto pode não ser possível. Felizmente, na maioria dos casos, os ensinamentos de surtos anteriores ou de outros organismos podem ser usados para ajudar a desenvolver as ferramentas do futuro.

 

Preparar Testes Moleculares para o Futuro

 

Os vírus de RNA são suscetíveis a deriva genética aleatória, que faz parte da sua capacidade adaptativa para sobreviver. Isto foi testemunhado com a emergência de múltiplas variantes de SARS-CoV-2, cada uma surgindo de pressões seletivas em certas populações, ou de variações que surgiram em regiões do vírus que não estão sujeitas a seleção imunitária. Estas mudanças evolutivas amplas dão ao vírus uma vantagem de sobrevivência e podem tornar as novas variantes mais difíceis de detetar se os testes não forem concebidos para acomodar esta variação.

 

Este problema foi verificado durante a pandemia da gripe de 2009, quando foram desenvolvidos testes para um único alvo antigénico que derivou subsequentemente. Muitas empresas de diagnóstico tiveram problemas em lidar com este surto e a sensibilidade dos testes rápidos de antigénio caiu a pique devido às variações dentro do alvo proteico, resultando em inúmeros doentes não diagnosticados.7 De facto, em 2009 e 2010, o fraco desempenho dos testes de diagnóstico para deteção da gripe levaram os Centros para Controlo e Prevenção de Doenças dos E.U.A. a recomendar que se evitasse a utilização destes testes.8 Existirá sempre uma pequena percentagem de variação dentro de um único alvo e, por conseguinte, vários casos acabarão por não ser detetados. Infelizmente, é difícil prever quando e onde é que a variação genética irá ocorrer, e quão rápidas serão as mudanças, por isso os métodos de diagnóstico têm de contar com isso.

 

Tendo em conta os ensinamentos do surto de H1N1, a Cepheid desenvolveu um teste que cobre múltiplos alvos de gripe A independentes e conservados, reduzindo a possibilidade de futuras variantes de gripe escaparem à deteção. Isto foi desenvolvido num teste que deteta não só a gripe sazonal, mas também se prevê que detete futuras estirpes de gripe de preocupação pandémica tais como H5N1, H7N9 e gripe das aves, e também o vírus sincicial respiratório (RSV), proporcionando uma solução de rastreio mais completa para melhorar o tratamento dos doentes.

 

Este conhecimento e experiência tecnológicos mostraram-se cruciais quando emergiu o SARS-CoV-2, e acelerou o desenvolvimento do teste Xpert® Xpress CoV-2/Flu/RSV plus, que proporciona uma opção de rastreio combinada para SARS-CoV-2, vírus sincicial respiratório, gripe A e gripe B num único cartucho independente para o sistema GeneXpert®. Esta solução ajuda a diagnosticar rapidamente doentes que se apresentem com sintomas inespecíficos do trato respiratório superior, ou quando os médicos suspeitam que um destes agentes patogénicos esteja presente, proporcionando uma estratégia mais clara para um tratamento rápido do doente.

 

Para minimizar o número de variantes que poderiam potencialmente evadir a deteção, este teste inclui múltiplos alvos para cada vírus.

 

Este método proporciona uma precisão comparável à dos laboratórios de referência, mas no entanto pode ser efetuado próximo do doente, longe de um local central. Ajuda a evitar resultados falsos negativos agora e está concebido para continuar a ser eficaz no futuro, assegurando que os doentes afetados obtêm o cuidado ou aconselhamento médico de que necessitam. Uma elevada sensibilidade não só ajuda a melhorar os cuidados a cada doente, como também ajuda a evitar que indivíduos disseminem a sua infeção sem o saber, colocando potencialmente outros em risco e exacerbando ainda a pressão sobre os serviços públicos de saúde.

 

Construir Testes Moleculares Duradouros
 

Não podemos arriscar não estar preparados para a próxima pandemia, tentando desenvolver de forma reativa um novo teste de raiz quando somos confrontados com um agente patogénico emergente. Esta tecnologia e abordagem robustas ao diagnóstico molecular serão a base para a construção das ferramentas para combater um potencial SARS-CoV-3, ou qualquer que seja o próximo agente patogénico. As empresas de diagnóstico têm como objetivo conceber testes moleculares que ofereçam a cobertura mais ampla possível, ajudando a assegurar que temos a capacidade de reconhecer tanto as estirpes atuais como as futuras. Isto ajudará a tornar os nossos serviços de saúde o mais “prontos para pandemia” possível para satisfazer necessidades futuras.

 

Se os testes estiverem prontos, ou pelo menos perto disso, para o próximo agente patogénico, a testagem generalizada pode ser integrada mais cedo para ajudar nos procedimentos de controlo da infeção. Um estudo dos serviços de saúde alemães relatou que cerca de 20 por cento dos casos de SARS-CoV-2 até 21 de setembro de 2021 estavam associados a surtos, sendo um por cento em hospitais e quatro por cento em instalações de cuidados continuados.9 Os serviços de saúde já estavam sob enorme pressão devido ao aumento do número de doentes internados, tendo estes surtos exacerbado ainda mais o problema. Para além disso, infeções nestes ambientes disseminam-se geralmente de forma desproporcional entre os idosos e os doentes vulneráveis, resultando frequentemente em piores desfechos para os doentes.9

 

Curiosamente, surtos em instalações de cuidados de saúde estiveram mais fortemente associados à primeira e segunda vagas da pandemia, antes das vacinações generalizadas.9 Como testemunhámos, assim que as intervenções farmacêuticas começaram a ter impacto, a morbilidade e a mortalidade diminuíram. Se o mesmo for verdade para futuros agentes patogénicos, procedimentos de controlo da infeção, tais como testagem molecular rápida e precisa, poderão ser críticos na gestão de surtos até que o desenvolvimento de vacinas e fármacos possa ter impacto. Isto poderá envolver testagem massiva tanto de doentes como de pessoal para identificar casos precocemente, ajudando potencialmente a melhorar os resultados dos doentes, bem como a proteger todas as pessoas no ambiente hospitalar.

 

Conclusão

 

Este conceito de preparar um teste para um futuro incerto faz parte integrante do pipeline de desenvolvimento de produtos na Cepheid. A empresa adotou os mesmos princípios dos ensinamentos de outras doenças emergentes - tais como tuberculose multirresistente, gripe, ébola e infeções associadas a cuidados de saúde - e está a aplicá-los globalmente, desenvolvendo simultaneamente tecnologias inovadoras centradas na preparação para futuras pandemias.

 

Originalmente publicado em 9/2022.

IVD. Dispositivo médico para diagnóstico in vitro. Poderá não estar disponível em todos os países.

 

Referências:

 

1. Petersen E, Koopmans M, Go U, et al. Comparing SARS-CoV-2 with SARS-CoV and influenza pandemics. Lancet Infect Dis. 2020;20(9):e238-e244. doi:10:1016/S1473-3099(20)30484-9

2. Iuliano AD, Roguski KM, Chang HH, et al. Estimates of global seasonal influenza-associated respiratory mortality: a modelling study. Lancet. 2018;391(10127):1285-1300. doi:10:1016/S0140-6736(17)33293-2

3. Macias AE, McElhaney JE, Chaves SS, et al. The disease burden of influenza beyond respiratory illness. Vaccine. 2021;39 Suppl 1:A6-A14. doi:10:1016/j.vaccine.2020:09.048

4. Collection S, Shipment. Laboratory testing for coronavirus disease (COVID-19) in suspected human cases. Interim guidance 19 March 2020.

5. Sethuraman N, Jeremiah SS, Ryo A. Interpreting Diagnostic Tests for SARS-CoV-2. JAMA. 2020;323(22):2249-2251. doi:10:1001/jama.2020:8259

6. Emerging Infectious Disease, www.cdc.gove/eid, Vol. 15 No 10 October 2009

7. Hurt AC et al. Performance of influenza rapid point-of-care tests in the detection of swine lineage A (H1N1) influenza viruses. Influenza and Other Respiratory Viruses 2009;3(4):171-76

8. https://www.cdc.gov/h1n1flu/guidance/diagnostic_tests.htm (Acedido em março de 2022)

9. Suwono B, Steffen A, Schweickert B, et al. SARS-CoV-2 outbreaks in hospitals and long-term care facilities in Germany: a national observational study. Lancet Reg Health Eur. 2022;14:100303. doi:10:1016/j.lanepe.2021:100303

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